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sábado, 28 de janeiro de 2012

Sua Majestade, o Chinelo...


Maior conhecedor das ruas desta cidade não há. Desde que fora feito para cumprir uma função de importância ímpar na vida de pessoas tão diferentes, ele tem se resignado a ser pisado, suportando sobre si o peso das existências vãs. Futilidades o obrigavam a se mascarar em várias formas que não levavam em conta apenas o conforto de pés pecadores, mas as exigências e frescuras de endinheirados. Bah!, se resignava por falta de opção. Ele por si gritaria, mas este surto que rompe com a lógica não lhe era permitido no mundo real. Gritava, então, na ficção:

—Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh...

E xingava no virtual:

—@'*%#**$¨@'

Se expressava e via seus sentimentos materializados nos olhos de nuvens distantes:

—Chove hoje.

É, chove hoje. Chuva de raiva, ódio, rancor e decepção. Seres superiores?, zombava em pensamento. Não. Seres achistas apenas. Que acham, não têm certeza. Acham que vassouras são mudas, que elas não falam. Acham que sapatos pisados, seus parentes próximos, suportam tudo com quietude de matéria prima morta. Acham que chuva é fenômeno meteorológico e nada mais. Mas estão errados no tempo presente, perfeita e imperfeitamente errados no pretérito e estarão errados no mais distante dos futuros.

Chuvas são sentimentos materializados da realeza usurpada da terra. E com a palavra Sua Majestade, o Chinelo.

Um comentário:

  1. Caramba, que texto perfeito! Amei essa interpretação, essa realidade alternativa. Nada mais divertido. Por que nós seres humanos temos mesmo a mania de nos achar importantes demais. Muito legal de ler, me ganhou *-*

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